Rodrigo Oliveira
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A memória realmente é um "disco rígido" biológico?

   
     A memória tem sido frequentemente comparada a um disco rígido de um computador, devido à sua capacidade de armazenar e recuperar informações. No entanto, essa comparação é simplista e não reflete totalmente a complexidade do funcionamento da memória humana. Aqui vamos entender melhor como o mecanismo neurofisiológico é mais complexo que um simples armazenamento estático de dados.

  
     A memória é um dos processos psicobiológicos mais importantes, pelo qual é responsável pela aquisição, armazenamento e evocação de informações. Para fins classificatórios, a memória pode ser considerada não declarativa de caráter inconsciente, como aprender a dirigir por exemplo (memória procedural), ou declarativa de caráter consciente,como gravar um fato ou evento (como é o caso da memória episódica, por exemplo), ambas relacionadas com  o processo de aprendizagem.  Inicialmente, ocorre a aquisição, que é o momento que estímulos adquiridos no ambiente externo chegam em nosso cérebro através de órgãos receptores sensoriais. Posteriormente, essas informações são armazenadas por um processo de consolidação, que se caracteriza pela estabilização das informações importantes a longo prazo. Nesse processo inicialmente as memórias recém adquiridas se encontram em um estado lábil (memória de curto prazo). Com o tempo, inicia-se o processo de consolidação com a ativação da cascata molecular responsável pela síntese proteica e plasticidade sináptica, que são responsáveis pela aprendizagem de novas memórias de longa duração. 

 
     Estudos mostram que a memória humana pode ser mais bem comparada a um software avançado, que é capaz de processar e organizar informações de maneira dinâmica e flexível. De acordo com a teoria da memória de trabalho, a memória humana é composta por diferentes sistemas que trabalham em conjunto para armazenar e manipular informações de curto prazo.

     Além disso, pesquisas têm mostrado que a memória humana não é estática, mas sim plástica, ou seja, ela pode ser modificada e reorganizada ao longo do tempo.  Durante muito tempo, a consolidação foi encarada como um processo imutável que não poderia sofrer alterações. Entretanto, estudos mostram que memórias previamente armazenadas em um processo de consolidação inicial podem ser modificadas e fortalecidas a partir da incorporação de novas informações em um processo de reconsolidação. Por fim, quando precisamos lembrar de uma memória, ocorre o processo de evocação que é retorno espontâneo ou voluntário dessas informações armazenadas.  Isso sugere que a memória humana é mais do que apenas um dispositivo de armazenamento passivo, mas sim um sistema altamente adaptativo e sofisticado que de maneira complexa, envolve múltiplas redes neurais que conectam a experiência sensorial com o contexto e o significado.
 
      Portanto, a ideia de que a memória humana é um disco rígido pode ser limitada e ultrapassada. Em vez disso, é mais apropriado pensar na memória humana como um software avançado, capaz de processar e reorganizar informações de maneira dinâmica e flexível. É muito importante que novos trabalhos na área sejam realizados para melhor entendimento dos mecanismos envolvidos no processo de consolidação e reconsolidação da memória de longo prazo.
  
 

Referências
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ROSSATO, J. I.; GONZALEZ, M. C.; RADISKE, A.; APOLINÁRIO, G.; CONDE OCAZIONEZ, S.; BEVILAQUA, L. R.; CAMMAROTA, M. PkmZ inhibition disrupts reconsolidation and erases object recognition memory. Journal of Neuroscience, Soc Neuroscience, v. 39, n. 10, p. 1828–1841, 2019. 
Eichenbaum, H. (2000). A cortical-hippocampal system for declarative memory. Nature Reviews Neuroscience, 1(1), 41-50.
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Jackson Cionek

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