Cidade Lixo Zero Vereadores desenhando o metabolismo material do município
Cidade Lixo Zero
Vereadores desenhando o metabolismo material do município
Consciência em Primeira Pessoa — Brain Bee
Eu nasci célula-ovo, antes de qualquer lixo.
Antes de plástico, antes de propaganda, antes de “comprar agora”.
No início, tudo em mim era metabolismo perfeito:
nutrientes entram, resíduos saem, nada sobra, nada se acumula.
Cada célula sabia o que fazer, porque a informação vinha do DNA e do ambiente imediato — uma inteligência silenciosa que só queria uma coisa: manter o fluxo da vida.
Depois vieram as palavras.
Aprendi “meu”, “tudo meu”, “joga fora”, “isso é lixo”.
Mas o meu corpo nunca reconheceu a ideia de “jogar fora”:
para ele, tudo que entra precisa virar energia, tecido ou ser devolvido de forma que o todo continue funcionando.
Hoje sou um adolescente/cidadão de uma cidade que produz mais lixo do que vínculos.
Meu cérebro é moldado por feeds infinitos que me dizem para desejar o próximo objeto e desprezar o que “já não serve”.
Meu córtex pré-frontal, que deveria planejar, é sequestrado por notificações.
Minha interocepção — a capacidade de sentir o corpo — é abafada por telas e ultraprocessados.
Mas a minha Mente Damasiana ainda sabe:
quando a cidade adoece, é porque seu metabolismo material entrou em Zona 3 —
um estado em que o fluxo de matéria e energia serve ao lucro, não à vida.
Se o meu corpo precisa de um metabolismo limpo para existir,
por que a minha cidade não?
É a partir dessa pergunta que eu, Brain Bee em primeira pessoa, começo a imaginar uma Cidade Lixo Zero:
um organismo coletivo JIWASA, em que o “eu” só faz sentido dentro de um metabolismo compartilhado — e onde vereador, deputado ou senador deixam de ser gestores de lixo político e passam a ser arquitetos do metabolismo material do território.
Do lixo ao metabolismo material: quando o cérebro entra em Zona 3
Do ponto de vista neurocientífico, falar em “lixo” não é neutro.
Cada vez que tratamos objetos, pessoas ou territórios como “descartáveis”, reforçamos redes sinápticas ligadas à indiferença e à desresponsabilização.
É um aprendizado implícito: se tudo é substituível, nada merece cuidado.
As redes sociais amplificam essa lógica.
Publicidade, influenciadores e ciclos rápidos de consumo treinam o cérebro para buscar dopamina em compras e status, e não em pertencimento nem em JIWASA.
O resultado é um metabolismo social doente:
materiais circulam pouco, produtos têm vida útil ridícula, e o destino final é o aterro ou o rio.
Já sabemos, com evidência, que políticas de Lixo Zero e economia circular geram mais empregos, mais inovação e mais saúde do que modelos baseados em aterros e incineração. Cidades que investem em redução, reutilização, reparo, reciclagem e compostagem criam de 5 a 10 vezes mais postos de trabalho por tonelada de resíduos do que a simples disposição em aterros, e programas robustos de reuso podem gerar até dezenas ou centenas de vezes mais empregos ao reorganizar fluxos materiais.
Ou seja: um metabolismo material mais inteligente não é custo, é investimento em desenvolvimento econômico e social.
Prosperidade Bribri: quando o lixo quase não existe
Para imaginar uma Cidade Lixo Zero JIWASA, precisamos olhar para quem já vive, há séculos, em lógica de metabolismo territorial: os povos originários.
Entre os Bribri de Talamanca, na Costa Rica, prosperidade não significa acumular coisas, mas viver bem com a montanha, a família, os espíritos e o território.
Mulheres Bribri organizaram, desde os anos 1990, associações como ACOMUITA (produtoras de cacau em sistemas agroflorestais) e Stibrawpa, um turismo comunitário gerido por mulheres que combina agrofloresta, soberania alimentar, língua, cultura e economia circular local.
Pesquisas recentes mostram que:
Agroflorestas Bribri lideradas por mulheres são um ato de resistência e resiliência frente ao agronegócio de banana, recuperando biodiversidade, alimento e renda comunitária.
O modelo turístico de Stibrawpa fortalece o idioma, valoriza o trabalho das mulheres e organiza a economia em torno da família, do território e de uma não-valorização da acumulação material — uma prosperidade que é fluxo, não estoque.
Em contextos matrilineares Bribri, mulheres vêm assumindo papel central na defesa da terra e na gestão dos recursos, articulando clima, agroecologia e justiça de gênero.
Note o ponto chave:
em muitos territórios Bribri, “lixo” quase não existe como categoria cultural.
Resíduos orgânicos voltam ao solo, materiais são reaproveitados ao máximo, e o que chega de fora como plástico ou sucata é vivenciado mais como ameaça do que como sinal de “progresso”.
Quando falamos em prosperidade Bribri, estamos falando de um metabolismo material onde:
matéria circula em ciclos curtos e locais;
o valor está na relação entre pessoas, território e espíritos (Pei Utupe);
consumo é meio para a vida, não fim em si.
Trazer esse conceito para a cidade não é “folclore”; é reconhecer que há modelos concretos de desenvolvimento baixo em resíduos, alto em pertencimento que já funcionam hoje — e que podem inspirar o desenho de políticas urbanas.
Cidade Lixo Zero como política JIWASA
Se unirmos:
a evidência econômica das políticas de Lixo Zero e economia circular;
a experiência Bribri de prosperidade não acumulativa;
a neurociência da Mente Damasiana, que mostra como hábitos de cuidado e pertencimento reconfiguram redes atencionais e emocionais;
chegamos a uma tese forte:
Cidades Lixo Zero JIWASA tendem a ser mais prósperas econômica e socialmente porque organizam o metabolismo material a favor da vida — não do descarte.
Do ponto de vista constitucional, isso dialoga diretamente com o dever do Poder Público de garantir meio ambiente ecologicamente equilibrado e de organizar o sistema econômico de modo a reduzir desigualdades e proteger bens comuns. Políticas municipais de gestão de resíduos, logística reversa, compras públicas sustentáveis e créditos de carbono localizados são instrumentos concretos para isso.
Em nosso vocabulário:
uma cidade Lixo Zero JIWASA é um Município Metabólico, em que o cidadão não é “beneficiário de programas sociais”, mas proprietário do Estado e co-autor das regras que definem o fluxo de matéria e energia.
O foco deixa de ser “renda” e passa a ser rendimento metabólico:
rendimento de saúde (menos poluição, menos vetores de doença);
rendimento de tempo (menos deslocamento para aterros, mais soluções de bairro);
rendimento de trabalho (mais empregos em reutilização, reparo, reciclagem, compostagem);
rendimento de sentido (a sensação de pertencer a um território que cuida de si mesmo).
Vereadores como designers do metabolismo material
Num Estado JIWASA, o vereador ideal não é apenas “autor de leis”, mas um engenheiro do metabolismo material do município.
O que isso significa, na prática?
Mapear o metabolismo da cidade
Origem, tipo e destino de todos os fluxos de resíduos (orgânicos, recicláveis, entulho, eletrônicos, hospitalares).
Identificar “pontos quentes” de geração de lixo e desigualdade (bairros com lixões improvisados, rios contaminados, escolas sem coleta adequada).
Criar marcos legais para Lixo Zero e economia circular
Planos municipais de Lixo Zero com metas progressivas de redução de envio a aterros.
Incentivos fiscais e regulatórios para cooperativas de reciclagem, negócios de reuso, consertos e logística reversa.
Normas de compras públicas que priorizem produtos reutilizáveis, reciclados e de baixo impacto.
Articular créditos de carbono e DREX Cidadão Metabólico
Medir a redução de emissões obtida com compostagem, reciclagem e economia circular.
Converter parte desses ganhos em rendimento metabólico ao cidadão (DREX Cidadão), atrelado a comportamentos de cuidado com o território: separar resíduos, participar de mutirões, integrar hortas urbanas.
Transformar educação em experiência de metabolismo
Escolas como núcleos de Lixo Zero: composteiras, hortas, oficinas de reparo, design circular.
Aprendizagem situada: crianças e adolescentes acompanhando, em primeira pessoa, o ciclo dos materiais da sua própria rua.
Trazer a prosperidade Bribri para o plano diretor
Reconhecer que prosperidade urbana não é ter shopping cheio, mas bairros onde os fluxos materiais são curtos, a natureza é integrada e a cultura local é valorizada.
Criar zonas de economia circular inspiradas em experiências como Stibrawpa: turismo comunitário, agroecologia periurbana, artesanato com materiais reaproveitados.
Fechamento em primeira pessoa: do “eu lixo” ao “nós metabolismo”
Quando eu, Brain Bee, olho para a cidade a partir da minha própria interocepção, vejo que:
meu corpo não conhece “lixo”;
meu cérebro adoece quando tudo à minha volta é tratado como descartável;
minha sensação de pertencimento aumenta quando vejo materiais, alimentos e cuidados circulando em ciclos curtos e justos.
JIWASA, como pronome coletivo Aimara, me ajuda a nomear algo que a neurociência já mostra:
não existe consciência saudável isolada de um metabolismo coletivo saudável.
Uma Cidade Lixo Zero JIWASA é, portanto, um projeto neuroeconômico:
reorganiza as sinapses da atenção, porque ensina a olhar para fluxos em vez de objetos;
reorganiza os incentivos econômicos, porque paga — em trabalho, saúde e DREX Cidadão — pelo cuidado com o metabolismo material;
reorganiza o papel do parlamentar, que deixa de legislar para grupos de interesse e passa a legislar para o corpo metabólico da cidade.
O recado para vereadores, deputados e senadores é simples e radical:
Se o cidadão é a unidade básica do Estado,
então o lixo é o sinal vital do quanto esse Estado está falhando em cuidar do seu próprio corpo.
Uma política Lixo Zero JIWASA não é pauta “ambiental”; é a base de um desenvolvimento econômico e social mais robusto, distribuído e neuroafetivamente saudável.
Referências selecionadas pós-2020 (Prosperidade Bribri & metabolismo territorial)
Arias-Hidalgo, D. (2023). Décolonialiser les asymétries de genre dans le tourisme communautaire autochtone: le cas des femmes bribris de Stibrawpa (Costa Rica). Revista Teoros.
Arias-Hidalgo, D. (2021). Développement du tourisme et dynamiques agricoles en territoire indigène bribri. Analyse de l’évolution des “moyens de vie” à Talamanca, Costa Rica. Tese de doutorado, Université d’Angers.
Pelliccia, M. (2021). For Costa Rica’s Indigenous Bribri women, agroforestry is an act of resistance and resilience. Mongabay.
Salcedo-La Viña, C. (2023). Potential risks to women’s land rights from climate actions: Exploring matrilineal communities in Colombia, Costa Rica and Panama.
SURCOS / Colegio de Profesionales en Sociología de Costa Rica (2022–2023). Informes sobre la situación de los pueblos indígenas en Costa Rica (com destaque para territórios Bribri e Cabécar).
Calí Tzay, J. F. (2022). Informe del Relator Especial sobre los derechos de los pueblos indígenas: Visita a Costa Rica (A/HRC/51/28/Add.1). Conselho de Direitos Humanos da ONU.
IWGIA (2023). El Mundo Indígena 2023: Costa Rica.
Batt, K. S. (2025). Possible Impact of Ecological Initiatives on Bribri Mental Health. Tese (em andamento), com foco em iniciativas como Stibrawpa e ACOMUITA.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) / GEF (2023–2024). Documentos de projeto sobre iniciativas Bribri em turismo comunitário, agrofloresta e corredores biológicos na região de Talamanca.
Instituto Costarriquenho de Turismo (ICT). (2024). Guía Caribe – seção sobre iniciativas turísticas no território indígena Bribri de Talamanca (incluindo Stibrawpa).
Canpolat, E. et al. (2022). Fostering Gender-Transformative Change in Sustainable Forest Management: The Case of the Dedicated Grant Mechanism (DGM). Banco Mundial.
Diversos autores (2024). Artigos sobre a experiência Stibrawpa Community-Based Tourism Experience em coletâneas sobre turismo, gestão e tecnologias (por exemplo, ICMTT 2024).