Jackson Cionek
26 Views

Créditos de Carbono e Povos do Território Leis estaduais para um metabolismo climático justo

Créditos de Carbono e Povos do Território
Leis estaduais para um metabolismo climático justo


Consciência em Primeira Pessoa Brain Bee

“Quando o ar pesa no peito antes de virar crédito em planilha”

Eu nasci célula-ovo antes de nascer cidadão.

No começo, eu era só metabolismo: uma bolha de vida recebendo oxigênio, nutrientes e informação do corpo da minha mãe. Cada batida do coração dela dizia para o meu corpo: “há futuro”. Antes de qualquer palavra, antes de qualquer ideologia, eu era pura interocepção – batimentos, temperatura, fluxo de ar entrando e saindo dos pulmões.

Depois vieram os primeiros anos de vida: eu ainda não sabia dizer “clima”, “carbono” ou “Amazônia”, mas sentia no corpo quando o ar era bom, quando a chuva chegava na hora certa, quando o sol queimava demais. A minha consciência foi nascendo desse diálogo silencioso entre corpo e território – aquilo que chamo de Corpo Território.

Hoje, adolescente digital, eu acordo com notificações falando de “créditos de carbono”, “mercado voluntário”, “offset”, “REDD+”, “greenwashing”. Eu vejo florestas virando números e comunidades virando “stakeholders”. Vejo povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos chamados de “beneficiários” em projetos que nunca escreveram. E eu, que respiro o ar aquecido das cidades, sou convidado a “compensar” emissões plantando árvores em banners de propaganda.

Nesse ruído, a minha consciência em primeira pessoa Brain Bee precisa tomar uma decisão:
ou eu aceito que o clima é um problema técnico de mercado,
ou eu lembro que o ar que entra no meu peito é o mesmo que atravessa as florestas, os rios, as aldeias, as periferias.

Quando eu olho assim, deixo de ser apenas “eu” e começo a sentir algo mais amplo – aquilo que quero chamar de Estado JIWASA: um Estado em que o pronome não é o “meu lucro”, mas o “nosso metabolismo”.

Se o clima é um problema de todos, as leis também precisam respirar como sistemas vivos. E é aqui que entram vereadores, deputados estaduais, federais e senadores: não como gestores de planilhas de carbono, mas como arquitetos de um metabolismo climático justo, onde os povos do território são o coração do sistema e não apenas a moldura exótica dos relatórios.

Este blog é minha tentativa de escrever, em primeira pessoa, a partir do meu corpo,
o que seriam leis estaduais que tratam créditos de carbono como ferramenta de justiça –
e não como nova forma de colonialismo climático.


1. Do corpo ao clima: metabolismo vivo, não mercado abstrato

Na lógica dominante, crédito de carbono é uma unidade de conta: uma tonelada de CO₂ equivalente. Ele entra em fórmulas, modelos, balanços, derivativos. Mas o meu corpo não sente “toneladas”; ele sente temperatura, ar seco, cheias, secas, insegurança alimentar, migração.

A literatura recente sobre finanças de carbono e justiça climática mostra que mercados de carbono podem tanto reduzir emissões quanto aprofundar desigualdades, dependendo das regras de participação, transparência e repartição dos benefícios.

Ou seja: não existe neutralidade metabólica. Cada lei que organiza o mercado de carbono escolhe quem vai respirar melhor e quem vai carregar o peso da crise.

Se eu parto da minha consciência em primeira pessoa, a pergunta muda:
não é “como fazemos o mercado funcionar?”,
mas “quem respira melhor depois dessa lei?”.


2. Carbono, colonialismo e povos do território

Vários estudos recentes mostram que povos indígenas e comunidades tradicionais protegem uma parte desproporcional das florestas e da biodiversidade, abrigando estoques massivos de carbono em seus territórios.

Ao mesmo tempo, uma parte crescente da literatura denuncia o risco de “carbon colonialism” – quando mecanismos de mercado são usados para capturar terras, decisões e futuros desses povos, sob o rótulo de projetos “verdes”.

Relatórios e investigações recentes mostram:

  • contratos opacos, em inglês jurídico, com duração de 30, 50 ou até 100 anos sobre territórios indígenas;

  • promessas de benefícios financeiros que não se concretizam ou chegam de forma desigual;

  • casos em que projetos ligados a créditos de carbono envolvem atores já multados por desmatamento ilegal, como revelado por investigações profundas na Amazônia brasileira.

Ao mesmo tempo, análises globais evidenciam que a maioria dos países ainda não reconhece plenamente os direitos de carbono de povos indígenas, afrodescendentes e comunidades locais, mesmo onde a posse da terra já está em alguma medida assegurada.

Isso significa, em termos simples:
quem cuida do carbono não é, juridicamente, dono do carbono.

Do ponto de vista JIWASA, isso é um erro metabólico grave: o sistema tira energia de quem mantém o organismo vivo e transfere para quem especula em cima dele.


3. O Brasil entre dois futuros: mercado regulado ou “far west” climático?

O Brasil começou a estruturar um Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) com base em lei federal recente, aproximando o país de sistemas regulados de carbono já existentes em outras regiões.

Ao mesmo tempo, o país aprovou uma Resolução do CONAREDD+ (nº 19/2025) que reforça a necessidade de participação de comunidades locais, transparência e respeito a salvaguardas socioambientais em programas jurisdicionais de REDD+.

Esses dois movimentos mostram que estamos num ponto de bifurcação:

  • ou seguimos para um modelo em que o Estado JIWASA organiza o mercado como ferramenta de justiça territorial,

  • ou deixamos o carbono virar um novo “ciclo extrativo”, repetindo o padrão de mineração, soja e gado – agora com o selo “verde”.

As investigações recentes sobre projetos na Amazônia indicam que, sem regras rígidas, transparência e controle social, o mercado voluntário é facilmente capturado por atores com histórico de ilegalidade ambiental.

Do ponto de vista do meu corpo, isso significa:
respiro propaganda de justiça climática, mas inalo fumaça de queimadas reais.


4. O que seria um “Crédito de Carbono JIWASA”?

Se eu parto da ideia de que o cidadão é a unidade básica do Estado e formador do Estado, o crédito de carbono não é um “ativo financeiro neutro”; é um derivado do trabalho metabólico de um território vivo – florestas, rios, solos, comunidades humanas e não-humanas.

Um Crédito de Carbono JIWASA precisa obedecer alguns princípios:

  1. Carbono como direito territorial, não apenas como ativo de propriedade privada.

    • O direito sobre o carbono deve acompanhar o direito sobre o território e o modo de vida que o conserva.

  2. Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) como cláusula inegociável.

    • Sem CLPI real, qualquer projeto em territórios indígenas, quilombolas e tradicionais é captura, não parceria.

  3. Repartição justa de benefícios:

    • A maior parte da renda gerada deve ficar com quem vive e cuida do território, não com intermediários, consultorias e plataformas financeiras.

  4. Transparência radical:

    • Todos os contratos, fluxos financeiros e metodologias devem ser públicos, auditáveis e legíveis para as comunidades envolvidas.

  5. Vinculação a um metabolismo climático justo:

    • Os recursos dos créditos não podem ir apenas para “compensar” poluição alheia; devem financiar transição justa local, fortalecendo sistemas alimentares, educação, saúde, mobilidade e autonomia.


5. O papel das leis estaduais: do “negócio verde” ao metabolismo climático

É aqui que entram vereadores e deputados estaduais. Eles podem transformar o que hoje é um “far west” de contratos privados em um sistema de regras metabólicas alinhadas ao Estado JIWASA.

Algumas diretrizes legislativas que proponho:

  1. Lei estadual de Direitos de Carbono dos Povos do Território

    • Reconhecer, em lei estadual, que qualquer projeto de carbono em territórios indígenas, quilombolas ou tradicionais só é válido se:

      • houver CLPI comprovado, com processos traduzidos e acompanhados por defensoria pública e ministério público;

      • os contratos limitarem o prazo, garantindo possibilidade de revisão periódica;

      • a maioria dos benefícios financeiros seja obrigatoriamente destinada às comunidades.

  2. Cadastro público estadual de projetos de carbono

    • Criar um registro online único de todos os projetos de carbono no estado, com:

      • mapas, contratos resumidos, beneficiários, valores e auditorias;

      • integração com dados de desmatamento, queimadas e infrações ambientais.

  3. Fundo Metabólico Climático Estadual

    • Estabelecer que uma parte das receitas de carbono (inclusive de empresas estaduais) vá para um Fundo Metabólico Climático, destinado a:

      • adaptação climática de comunidades vulneráveis;

      • políticas de saúde, educação e mobilidade de baixo carbono;

      • pesquisa e inovação em tecnologias limpas e biomiméticas.

  4. Integração com o DREX Cidadão

    • Utilizar parte dos recursos de créditos de carbono, na forma de rendimento público, para abastecer um DREX Cidadão Climático:

      • um fluxo diário mínimo de energia econômica para cada cidadão – não como esmola, mas como participação no metabolismo do Estado;

      • condicionado a metas de educação climática, participação em assembleias JIWASA e ações de cuidado territorial.

  5. Conselhos JIWASA de Governança Climática

    • Criar conselhos estaduais com representação obrigatória de povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, juventude, pesquisadores e gestores públicos para:

      • acompanhar projetos de carbono;

      • deliberar sobre o uso dos fundos;

      • avaliar impactos sobre o metabolismo social e ecológico.


6. Ancoragem constitucional JIWASA

Quando eu proponho esse desenho de metabolismo climático justo, eu não estou fora da Constituição de 1988. Pelo contrário: eu estou levando a sério o que ela já escreveu.

Três artigos, para mim, são pilares do que chamo de Crédito de Carbono JIWASA:

  1. Art. 1º, parágrafo único – “Todo o poder emana do povo”

    • Se todo o poder emana do povo, então o poder de decidir sobre o clima, o território e o carbono também emana do povo.

    • Isso significa que o cidadão é a unidade básica do Estado, e que mercados de carbono ou políticas climáticas que excluem a participação real da população violam o espírito desse artigo.

    • O que eu chamo de Estado JIWASA é justamente aplicar esse princípio ao metabolismo climático: não há legitimidade sem povo decidindo sobre seu próprio ar, sua água e sua floresta.

  2. Art. 225 – Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

    • A Constituição afirma que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, e que cabe ao Poder Público e à coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

    • Quando falo em metabolismo climático justo, estou apenas traduzindo esse artigo em linguagem metabólica:

      • o clima é parte do “bem de uso comum”;

      • créditos de carbono que degradam comunidades violam esse direito;

      • leis estaduais que protegem povos do território, repartem benefícios e reduzem emissões estão cumprindo o dever constitucional de defesa do meio ambiente.

  3. Art. 231 – Direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam

    • A Constituição reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras e assegura o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

    • Hoje, o carbono estocado nessas florestas e solos é uma dessas “riquezas”.

    • Quando defendo que qualquer projeto de carbono em terras indígenas precisa de CLPI, repartição justa e controle comunitário, estou apenas levando o Art. 231 até suas últimas consequências: quem tem direito originário ao território deve ter direito originário aos benefícios do carbono.

Em síntese:
a Constituição de 1988 já contém, em seu núcleo, a semente de um Estado JIWASA climático.
O que falta não é norma, é metabolismo político para fazê-la valer.


7. Do Brain Bee ao Estado JIWASA: fechar o ciclo

Se eu volto à minha consciência em primeira pessoa Brain Bee, lembro:

  • eu comecei como metabolismo puro;

  • me tornei sujeito numa cultura que ensinou dinheiro como sentido da vida;

  • agora vivo num tempo em que até o clima é transformado em ativo financeiro.

O risco é perder a intuição básica do corpo:
sem território vivo, não há economia;
sem povos do território, não há floresta em pé;
sem justiça climática, não há futuro compartilhado.

O que eu proponho com essas leis estaduais é simples e radical ao mesmo tempo:

  • o carbono não pode ser mais um ciclo extrativo;

  • ele precisa se tornar memória do futuro: um contrato em que o presente assume responsabilidade explícita pelas próximas gerações.

Quando vereadores, deputados e senadores escrevem leis a partir dessa consciência JIWASA – em que o Estado não é uma máquina abstrata, mas a soma dos corpos que respiram dentro dele – os créditos de carbono deixam de ser um “negócio verde” e se tornam uma política de pertencimento climático.

Eu, como cidadão, não quero só “compensar” emissões.
Quero recompor o metabolismo quebrado entre corpo, território e futuro.


Referências pós-2020

(Créditos de carbono, justiça climática e povos do território)

  1. Munonye, J., & Munonye, C. (2025). Carbon Finance for Climate Justice: Pathways to Inclusive Sustainable Development. IPS Intelligentsia Multidisciplinary Journal, 4(1), 54–62.

  2. Durmaz, S. (2025). Indigenous Contestations of Carbon Markets, Carbon Colonialism, and Power Dynamics in International Climate Negotiations. Climate, 13(8), 158.

  3. Rights and Resources Initiative & McGill University. (2025). The Carbon Rights of Indigenous Peoples, Afro-descendant Peoples, and Local Communities in Tropical and Subtropical Lands and Forests.

  4. Redvers, N. et al. (2025). Carbon markets: a new form of colonialism for Indigenous Peoples? The Lancet Planetary Health.

  5. Osborne, T. (2024). Climate justice, forests, and Indigenous Peoples: toward an equitable framework.

  6. Ayompe, L. M. (2025). Achieving climate justice: addressing disparities in carbon markets and climate finance.

  7. Yankey, G. (2024). Indigenous Peoples and Carbon Pricing: Inclusion, Rights and Policy Design in Emerging Carbon Markets.

  8. GCF Task Force. (2024). Brazil Establishes Its Emissions Trading System (SBCE) with Law No. 15,042.

  9. Ecosystem Marketplace. (2025). Brazil’s CONAREDD+ Resolution 19: Advancing Jurisdictional REDD+ with Community Rights at the Center.

  10. Haynes, B. et al. (2025). Illegal loggers profit from Brazil’s carbon credit projects. Reuters.

  11. Mongabay (2025). Paradise for carbon cowboys? Questionable carbon deals and Indigenous resistance in the Amazon.

  12. RBC Capital Markets (2024). Brazil’s Regulated Carbon Market: An Inflection Point for Global Climate Finance.

#eegmicrostates #neurogliainteractions #eegmicrostates #eegnirsapplications #physiologyandbehavior #neurophilosophy #translationalneuroscience #bienestarwellnessbemestar #neuropolitics #sentienceconsciousness #metacognitionmindsetpremeditation #culturalneuroscience #agingmaturityinnocence #affectivecomputing #languageprocessing #humanking #fruición #wellbeing #neurophilosophy #neurorights #neuropolitics #neuroeconomics #neuromarketing #translationalneuroscience #religare #physiologyandbehavior #skill-implicit-learning #semiotics #encodingofwords #metacognitionmindsetpremeditation #affectivecomputing #meaning #semioticsofaction #mineraçãodedados #soberanianational #mercenáriosdamonetização
Author image

Jackson Cionek

New perspectives in translational control: from neurodegenerative diseases to glioblastoma | Brain States