Livia Nascimento Rabelo
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Os limites entre o normal e o patológico

Que é loucura: ser cavaleiro andante
Ou segui-lo como escudeiro?
De nós dois, quem é o louco verdadeiro?
O que, acordado, sonha doidamente?
O que, mesmo vendado,
vê o real e segue o sonho
de um doido pelas bruxas embruxado?
(Carlos Drummond de Andrade)

 

O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande controvérsia, sendo fundamental o questionamento permanente e aprofundado sobre o que seriam o normal e o patológico. Definir alguém como normal ou anormal psicopatologicamente tem sido associado àquilo que é “desejável” ou “indesejável”, ou àquilo que é “bom” ou “ruim”. É uma linha muito tênue, por exemplo, se alguém te fala que todos os dias conversa com alguém que não existe, você vai achar que ele está alucinando, mas, se ele disser que essa pessoa é jesus cristo isso vai ser normal. Porém, se ele falar que conversa com Napoleão Bonaparte ai você vai achar que ele alucina.

Obviamente, quando são casos extremos como psicoses graves ou deficiência intelectual profunda, o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático. Entretanto, há muitos casos menos intensos e delimitados, além daqueles limítrofes e complexos em sua definição, nos quais a delimitação entre comportamentos, estados mentais e formas de sentir normais ou patológicas é bastante difícil e problemática. Por exemplo no CID-11, o transtorno leve de personalidade (mild personality disorder) é um exemplo infeliz de criação de entidade nosológica que, por ser muito próxima ao comportamento de um grande número de pessoas em geral tidas como normais (p. ex., que, em apenas alguns contextos sociais, apresentam problemas não graves na identidade, alguma dificuldade em relações interpessoais, desempenho no trabalho e em relações sociais), poderá gerar diagnósticos psicopatológicos exagerados e medicalização inapropriada.
 
Tipos de normalidade:

Normalidade como ausência de doença: O primeiro critério que geralmente se utiliza é o de saúde como “ausência de sintomas, de sinais ou de doenças” “silêncio dos órgãos”. Normal, do ponto de vista psicopatológico, seria, então, aquele indivíduo que simplesmente não é portador de um transtorno mental definido. Tal critério é bastante falho e precário, pois, além de redundante, baseia-se em uma definição negativa, ou seja, define-se a normalidade não por aquilo que ela supostamente é, mas por aquilo que ela não é, pelo que lhe falta

Normalidade quantitativa/estatística:  normal é sinônimo de comum, ou significa próximo à média. O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência. Esse é um critério muitas vezes falho em saúde geral e mental, pois nem tudo o que é frequente é necessariamente “saudável”, assim como nem tudo que é raro ou infrequente é patológico. Tomem-se como exemplo fenômenos como as cáries dentárias, a presbiopia, os sintomas ansiosos e depressivos leves, o uso pesado de álcool, podem ser muito frequentes em determinados locais mas que evidentemente não podem, a priori, ser considerados normais ou saudáveis.

Normalidade qualitativa/normal: o que é socialmente aceito, nós temos os comportamentos que a sociedade impõe, a capacidade que temos de se adequar a esses comportamentos. A crítica que se faz a esse critério é que ele se baseia em normas socioculturais arbitrárias, as quais podem variar de um local para outro e modificar-se através do tempo.

Normalidade como “bem estar”: Normalidade como “bem estar”: Normalidade como “bem estar”. É um conceito criticável por ser muito amplo e impreciso, pois bem-estar é algo difícil de se definir objetivamente. Além disso, esse completo bem-estar físico, mental e social é tão utópico que poucas pessoas se encaixariam na categoria “saudáveis”. Tende a ser abrangente demais e muitas vezes imprecisa.

Normalidade subjetiva: se o paciente sente que está doente. Na síndrome maníaca, contraditoriamente, o paciente sente-se muito bem e, apesar disso, está enfermo. Os esquizofrênico também. Pois, a incapacidade de reconhecer que os sintomas fazem parte de um transtorno é um sintoma por si só, essa falta de “insight” faz parte da esquizofrenia.

Normalidade como processo. Considera as fases do desenvolvimento. Por exemplo, se o desenvolvimento psicomotor de uma criança está dentro do que consideramos normal para sua fase do desenvolvimento, se fala na fase certa.

Normalidade funcional: O fenômeno é considerado patológico a partir do momento em que é disfuncional e produz sofrimento e angustia e dificuldade a adaptabilidade do indivíduo na sociedade.

Normalidade como liberdade: o quanto que o paciente tem a capacidade de gozar da sua própria liberdade. Alterações na psicomotricidade podem fazer o paciente ficar na cama, alterações de pensamento podem fazer o paciente não sair de casa por achar que está sendo perseguido.

Normalidade operacional: são critérios de normalidades que são impostos antes e a gente vê se o paciente se enquadra ou não naquilo ali. Até certo ponto, a demarcação de separação entre normal e patológico dos sistemas diagnósticos atuais (CID e DSM) emprega critérios operacionais e pragmáticos na definição dos transtornos mentais.

Portanto, de modo geral, pode-se concluir que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos fenômenos específicos com os quais se trabalha e, também, de acordo com as opções filosóficas do profissional ou da instituição, cultura. É muito importante ter todos os conceitos bem estabelecidos. Eles não são necessariamente antagônicos, mas, se complementam.


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Referências

BARLOW, David; DURAND, Mark. Psicopatologia: Uma abordagem integrada.  2 ed. [sl]: Cengage Learning, 2016, 784 p.

BEAR, Mark F. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

CHENIAUX, Elie. Manual de Psicopatologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanaraba Koogan, 2015, 196 p.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia E Semiologia Dos Transtornos Mentais.  3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2018, 520 p.

MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS - DSM – 5 (American Psychiatric Association). Tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento, et al.; revisão técnica: Aristides Volpato Cardioli, et al. 5 ed. -  Porto Alegre: Artmed, 2014, 948 p.

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Jackson Cionek

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