Rodrigo Oliveira
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Transtorno dissociativo de identidade: a neurociência por trás do filme fragmentado

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Já imaginou alguém apresentar vários tipos de identidades diferentes em um curto período de tempo de forma inconsciente? Isso é o que acontece com o protagonista do filme "Split" (ou "Fragmentado" no Brasil), que apresenta  o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) ou Transtorno de Personalidade Múltipla (TPM) que é uma psicopatologia dissociativa pós-traumática complexa e crônica caracterizada por distúrbios de memória e identidade, podendo variar pelo menos de dois ou mais estados de personalidade distintos. No filme de 2016, sequência do filme "Corpo fechado", o protagonista homem chamado de Kevin, transita por 23 personalidades diferentes, onde tais identidades podem variar de gênero, nome, idade, hobbies, comportamento social e estados emocionais, e até mesmo, diferentes comportamentos fisiológicos diferentes. Apesar da ficção retratar uma doença já cientificamente definida, será que tudo isso é condizente com a realidade? Quais são as mudanças fisiológicas que realmente ocorrem? Qual a causa desse tipo de distúrbio? Todas essas perguntas iremos tentar responder ao longo do blog.
 
   Estima-se que o TDI afeta cerca de 2% das pessoas hospitalizadas com problemas mentais no mundo. O tratamento geralmente consiste em cuidados de apoio e aconselhamento psiquiátrico. Além da predisposição genética, acredita-se que a causa também pode ser um trauma psicológico durante a infância. Esse trauma psicológico pode envolver, estresse intenso, capacidade dissociativa (incluindo a habilidade de não relacionar memórias, percepções ou identidades conscientemente), falta de compreensão ao enfrentar situações limites na infância e falta de proteção frente a situações limites, também na infância. Em cerca de 90% dos casos verificam-se antecedentes de abuso infantil, estando os restantes casos associados à experiência da guerra ou problemas de saúde durante a infância.
 
   Sabendo disso, os indivíduos que sofrem desse tipo de transtorno podem ter suas identidades categorizadas em "estados de identidade neutros" (EIN) e "estados de identidade traumáticos" (EIT). O EIN inibe o acesso a memórias traumáticas, permitindo assim o funcionamento da vida diária, sendo o estado que caracteriza a personalidade basal (própria) do indivíduo. Já os EIT têm acesso e respostas a essas memórias traumáticas, ou seja, são todas as identidades geradas a partir desses traumas. Um trabalho realizado com 11 indivíduos com TDI, mostrou diferenças psicobiológicas entre os EIT e os EIN para padrões emocionais e sensório-motores (avaliação subjetiva) e de respostas cardiovasculares (frequência cardíaca, pressão arterial, variabilidade da frequência cardíaca). Também foram encontradas diferença de fluxo sanguíneo cerebral regional conforme determinado pela tomografia por emissão de pósitron H215O, revelando que diferentes redes neurais estão associadas ao processamento diferente de memórias relacionadas ao trauma para EIT (áreas verdes) e EIN (áreas vermelhas), como mostrado na figura ao lado. 
  Dessa forma, dependendo da área cerebral recrutada em cada tipo de identidades, outras alterações funcionais fisiológicas podem ser identificadas, como foi observado em um relato de de um paciente com TDI que, após 15 anos de diagnóstico cortical de cegueira, recuperou a visão de alguns estados de personalidade recuperaram a visão durante o tratamento psicoterapêutico enquanto outros estados permaneceram cegos. Isso pode ser confirmado por medidas eletrofisiológicas (EEG) no córtex visual, nas quais os potenciais evocados visuais (PEVs) estavam ausentes após o estímulo visual de frequências específicas nos estados de personalidade cego, mas eram normais e estáveis nos estados de visão (Figura abaixo). Essa alternância eletrofisiológica entre esses estados pode ocorrer em segundos.
                  
              
    
  Para quem já assistiu o filme, apesar do tema abordado na ficção possuir um bom embasamento científico, é importante frisar a importância de sensibilidade separar muitos eventos fictícios exagerados que destoam da realidade científica, como uma falsa noção estereotipada de que as pessoas que vivem com doenças mentais complexas são inerentemente perigosas e violentas, ou que podem desenvolver algum tipo vantagem física como "super-poderes". Para quem ainda não assistiu, agora que já sabe tudo sobre transtorno dissociativo de identidade, pega a pipoca e corre para ver esse grande filme!

"The OA, Experiência de Quase-Morte e vida após a morte: a Neurociência explica"

"Black Mirror (Bandersnatch) e Tomada de Decisão"


 
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Referências:
 
Reinders, AAT Simone, et al. "Psychobiological characteristics of dissociative identity disorder: a symptom provocation study." Biological psychiatry 60.7 (2006): 730-740.
 
Strasburger, Hans, and Bruno Waldvogel. "Sight and blindness in the same person: Gating in the visual system." PsyCh Journal 4.4 (2015): 178-185.
 
American Psychiatric Association (2013), Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th ed.), ISBN 978-0890425558, Arlington: American Psychiatric Publishing.
 
Beidel, edited by Deborah C.; Frueh,, B. Christopher; Hersen, Michel (2014). Adult psychopathology and diagnosis Seventh ed. Hoboken, N.J.: Wiley. pp. 414–422. ISBN 9781118657089
 
International Society for the Study of Trauma Dissociation. (2011). «Guidelines for Treating Dissociative Identity Disorder in Adults, Third Revision» (PDF). Journal of Trauma & Dissociation. 12 (2): 188–212. PMID 21391104. doi:10.1080/15299732.2011.537248. Consultado em 4 de dezembro de 2018. Arquivado do original (PDF) em 12 de julho de 2018



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Jackson Cionek

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